domingo, 1 de maio de 2011

João Paulo II, o Santo do povo



Fama de santo é o que não faltou a esse polaco de olhos azuis profundos. Já no seu funeral, a multidão presente bradava: 'Santo súbito!' A sua espiritualidade transbordante, a sua diplomacia inata, que conquistava milhões só com o simbólico gesto de beijar o chão de um país visitado, a sua inteligência e fina ironia colocadas em segundo plano ante a sua humildade missionária, a sua disposição incansável em se desencastelar dos muros do Vaticano e participar no mundo como um agente transformador.

Tudo isso embalado por um carisma autêntico, de efeito globalizante, tão próprio do seu tempo, João Paulo II é um santo para a sua época, assim como houve outras gerações nos altares ao longo desses séculos de cristianismo, cada uma reflectindo a sua sociedade. Ainda em vida, João Paulo II foi louvado, em inúmeras ocasiões, como símbolo de grande liderança na arena internacional.

Atribui-se a ele, por exemplo, pelo menos parte, a responsabilidade pelo fim de regimes ditatoriais de esquerda no Leste Europeu, como na sua Polónia e nas vizinhas Hungria, Checoslováquia, Roménia, Alemanha Oriental e, finalmente, na União Soviética. Trata-se de uma influência que ele construiu, com muito esforço, por meio de uma riquíssima produção intelectual e de viagens que misturavam religião e política. Foram 104 jornadas a 129 países, com distância total percorrida de mais de um milhão de quilómetros. Para efeitos de comparação, o papa anterior que mais tinha viajado, Paulo VI, havia feito 12 viagens.

Avesso ao comunismo e às ditaduras de esquerda dos quais fora vítima, enquanto apoiava o levantamento de trabalhadores polacos contra o governo socialista do país, ele alinhou-se à política de Ronald Reagan (1981-1989), presidente dos Estados Unidos, que dava suporte a movimentos supostamente democráticos contra governos legítimos com inclinações socialistas. Críticas ao seu pontificado estendem-se ainda ao que alguns entendem como intransigência e outros como coerência em assuntos como homossexualidade, sexo fora do casamento, fertilização “in vitro”, aborto e uso de métodos contraceptivos. O papa polaco foi rigorosamente contrário a todos.

No fim, nenhuma das suas opiniões lhe custaram a continental popularidade. Iniciativas históricas, como o encontro ecuménico da "Oração pela Paz" em 1986, na cidade italiana de Assis, o sofrimento público tanto depois do atentado sofrido em 1981 como no fim da vida, a profunda espiritualidade, que o faziam mortificar-se com jejuns rigorosos e autoflagelar-se com uma cinta de couro garantiram uma espécie de imunidade às críticas mais pesadas. Poucos momentos sintetizaram tão bem a devoção pelo polaco como o seu funeral, a 8 de Abril de 2005. Mais de 200 lideranças políticas de todo o mundo reuniram-se na Praça São Pedro para acompanhar a missa de requiem, transmitida ao vivo para mais de um bilião de pessoas.

Gritos de “santo!” já eclodiam da massa de fiéis que testemunhavam a cerimónia, pedindo a canonização imediata. O documento cabal que validou os anseios populares e testemunhos como de diversas personalidades veio com a história da irmã Marie Simon, freira francesa curada da doença de Parkinson invocando o nome de João Paulo II – a primeira de muitas intervenções milagrosas do papa, que se devem multiplicar nos próximos anos.

Com mais um milagre reconhecido oficialmente, ele se tornará santo. Não há dúvidas de que isso acontecerá em breve. Segundo o postulador da causa, monsenhor Slawomir Oder, já foram recebidos mais de 1,5 mil relatos convincentes de milagres atribuídos ao santo padre. Entre 80 e 100 e-mails e cartas chegam diariamente ao seu escritório com histórias de graças alcançadas nos mais variados países, inclusive por não católicos que, por simpatia à figura de João Paulo II, pediram a sua intercessão. Há notícias de bebés que nasceriam com malformações, mas vieram ao mundo saudáveis, doentes cardíacos e que sofrem de cancro curados instantaneamente e casais dados como inférteis que tiveram filhos.

Essas intervenções supostamente milagrosas, embaladas pela mística e o carisma desse polaco, fazem cair por terra todas as contradições e as sombras do seu pontificado. Até porque a função de um santo não é ser perfeito. O papel de um santo é ser um retrato da sua fé. E isso Karol Wojtyla tentou. Com todas as suas faces.

[ escrito pela revista ISTOÉ ]


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