terça-feira, 1 de setembro de 2009

Qual relação há entre igreja e cidadania?

É muito comum palavras e símbolos mudarem de sentido, passarem a designar coisas diferentes ou mais amplas. Quando se trata de traduzir uma ideia ou uma imagem, as alterações podem ser ainda maiores. Propomos aqui irmos à busca da raiz do termo “igreja”, de forma a entendermos sua relação direta com a conquista da cidadania para todas as pessoas.

O termo igreja vem do grego ekklesía, que, literalmente, significa assembleia. Já na tradução grega do Antigo Testamento, é usado para traduzir o hebraico kahal. Lemos, por exemplo, em Dt 31,30: “Moisés pronunciou, integralmente, as palavras deste cântico aos ouvidos de toda a assembleia de Israel” (em português, também se usa congregação, comunidade). Em outros lugares, o termo é usado para falar de comunidade reunidas para qualquer culto. Em At 19,31, por exemplo, fala-se da ekklesía que presta culto à deusa Ártemis.


A conotação política

O sentido original do termo, entretanto, não é estritamente religioso e tem forte conotação política. A ekklesía era a assembleia dos cidadãos, reunida para definir os rumos da polis, da cidade grega. Logo, ao participar da ekklesía, os cidadãos estavam fazendo político. Antigos escritores gregos como Heródoto, Xenofontes e o próprio Platão fazem uso do termo em seus escritos, especialmente comum em Atenas, onde os líderes políticos (cidadãos) se reuniam em ekklesía diversas vezes ao ano.

É muito interessante que a comunidade cristã tenha escolhido esse termo para falar do projeto do Reino: foi para viver uma nova ekklesía que Jesus chamou seus discípulos e discípulas. A ekklesía grega não era mais suficiente. Um sentido novo deveria ser dado ao termo. Por ser um termo bastante conhecido no mundo político, com certeza, algum conteúdo político teria que permanecer na palavra igreja. E permaneceu! Assim não tivesse sido, o Império Romano não teria a preocupação de levar o líder Jesus a uma condenação política e ao consequente assassinato na cruz. Mas onde está a novidade em usar um termo velho para designar um novo movimento?

Ora, o modelo da democracia grega, com certeza, significou grandes avanços em relação aos processos decisórios. Faz muito mais sentido aos cidadãos deliberarem sobre seu destino do que um único soberano, quase sempre de forma tirana, tomar todas as decisões por sua própria conta. O problema é que, como sabemos, poucas pessoas eram consideradas na Grécia Antiga. Mulheres, crianças, estrangeiros, toda a grande massa de pessoas escravas, ou seja, a maioria da população jamais poderia ser considerada cidadã. Estava permanentemente excluída da ekklesía, da igreja. Apenas a uma pequena elite de homens ricos era reservado o acesso à cidadania. Tanto quanto difícil era se tornar cidadão sob o período de dominação romana (At 22,28).



Cidadania para todos

A proposta assumida por muitas comunidades cristãs rompe com esse esquema. Um bom resumo de como entenderam o novo sentido da ekklesía é o hino à liberdade humana, a Carta aos Gálatas: “Entre nós, não há mais judeu nem grego, nem escravo, nem livre, não há homem nem mulher, pois todos vocês são um em Cristo Jesus” (Gl 3,28). Aqui está algo revolucionário! O que se propõe na edificação da nova ekklesía é a cidadania plena para todas as pessoas. Mulheres e crianças, pobres e pequenos, todas as pessoas são reconhecidas em sua dignidade, têm voz e vez, têm autoridade.

Sabemos que muitas comunidades primitivas buscaram viver a cidadania plena, a ekklesía de iguais. Mulheres participaram direta e ativamente na comunidade itinerante de Jesus (Lc 8,1-3), foram apóstolas (Jo 4,28-29; Rm 16,7), lideraram comunidades (At 16,11-15; Rm 16,1.3). crianças não eram impedidas de participar da mesa, podiam tocar em Jesus (Mc 10,13-16). Propunha-se que os bens fossem de fato partilhados, que cada pessoa tivesse de acordo com sua necessidade (Mt 20,1-16; At 4,32-37; 1Cor 11,17-27). Denunciava-se o acúmulo e a exploração (Tg 5,1-6).

Um olhar mais atento aos textos bíblicos e á história do cristianismo posterior nos permitirá ver que não conseguimos segurar a novidade dessa ekklesía. Mas continuamos desafiados a voltar às raízes, voltar à fonte! Sejamos carinhosamente radicais na exigência da cidadania plena para todas as pessoas.

Edmilson Schinelo. Jornal Mundo Jovem. Ano 47, setembro de 2009, edição nº 400.

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